Nina está chegando!



Nina, filha querida,


Seminário Teologia e Gênero, Porto Alegre
Estou com quase 36 semanas de gestação, nos próximos dias você estará em meus braços - e estou muito ansiosa por isso! Estar grávida de uma menina foi motivador, foi lindo e intenso! Você e seu irmão, o Bê, são as preciosidades da minha vida, por vocês tento fazer desse mundo um mundo melhor e mais humano! Você perceberá que somos cristãos, e somos muito felizes por isso, assim, lutamos para que esse mundo seja cada dia mais parecido com o Reino dos Céus - onde haja justiça, amor e paz! Sim, nós acreditamos que os princípios do Evangelho nos impelem a lutarmos por um mundo melhor, temos esse dever.


Contudo, nessa carta, não falarei da nossa religião e nem de nossos princípios morais de vida, teremos uma vida para conversarmos sobre isso. Gostaria de falar da experiência de estar grávida, antes que eu esqueça os detalhes. Estar grávida é estar no ápice da cobrança do que a sociedade deseja para nós: “a proteção do lar”. Uma mulher grávida andando na rua ou fazendo qualquer atividade que não seja ir ao médico ou comprar roupas de bebê é motivo para questionamento. Se você entrar numa loja de fast food, então, meio mundo irá te falar: “você não deveria comer isso”- quando ninguém deveria comer esse tipo de comida. Pois é, parece que o corpo da mulher grávida é propriedade de todos, mais do que o corpo feminino que, infelizmente, é tratado como propriedade do Estado, da Igreja e dos homens.


Fé e participação política, FATIPI
Por isso, estar grávida de uma menina foi intenso, pois me deu mais energia para lutar contra esses princípios que limitam a mulher ao espaço privado e delimitam as possibilidades que uma mulher possa viver (espero que quando você tiver idade para ler isso o mundo esteja muito melhor para nós, mulheres).


Mamãe, nesse período de gravidez , respeitou unicamente os limites do corpo. Sim, as indisposições são constantes, cuidados com o pré-natal (que é garantido por lei e deve ser feito com respeito!!!), exames ou a dificuldade de locomoção - com o avançar das semanas e peso do barrigão. No mais, fiz questão de me fazer presente no espaço público, por mais que isso incomode e desafie a ideia da mãe que se dedica única, e exclusivamente , à maternidade: a mulher que abre mão da carreira, dos sonhos, da vida pela maternidade. Filha, essa foi minha escolha e fiz isso porque me senti bem. Luto para que mulheres possam escolher entre dedicarem-se somente à maternidade, ou se dedicarem apenas à vida profissional, ou serem mães e profissionais. Sim, isso deve ser uma escolha sua e de todas as mulheres, não de preconceitos e regras sociais que não pensam no bem da mamãe ou do bebê, mas em manter o status quo: mãe boa, é mãe que cuida dos filhos e só.


Assim, tive oportunidade de cursar o mestrado e também a oportunidade de trancá-lo quando achei necessário, para poder cuidar de nós duas, e voltar quando você estiver grandinha. Tive a oportunidade de trabalhar e me afastar quando houve necessidade. É disso que falo, cada mulher deve avaliar a sua condição e o que será melhor para ela e para o seu bebê (lembrando que estou relatando sobre minhas escolhas, tudo bem se você seguir por outros caminhos que não esses.)


Nesse balanço de finalzinho de gravidez, tive necessidade de te escrever para te contar coisas muito legais que fizemos juntas, mesmo sem você saber. Escolhi quatro, que tiveram muita importância para mim:

-Em 15 de maio, aos 3 meses, você acompanhou a mamãe num evento muito bom sobre Teologia e Gênero. Mamãe ouviu e foi ouvida sobre a situação da mulher nas igrejas, como somos objetificadas, silenciadas e impedidas de ministrar a palavra e dirigir as instituições que participamos - foi maravilhoso. Mamãe ainda não sabia que era Nina, mas você estava lá, querida companheira.


Assembleia AIPRAL
-Em 22 de junho, aos quatro meses, mamãe foi convidada para falar sobre o machismo dentro da Igreja no Seminário Teológico da Igreja Presbiteriana Independente do Brasil, no Encontro de diálogo, fé e participação política. Foi ótimo poder falar sobre os erros e acertos da nossa igreja em relação às mulheres; falar do dever da igreja de militar contra a violência contra a mulher e deixar de ser reprodutora do machismo. O barrigão crescia, e estávamos lá, ativas!


-De 8 à 14 de agosto, aos 7 meses, mamãe representou a IPI na Assembleia da Aliança de Igrejas Reformadas da América Latina. Foi, mais uma vez, ótimo poder trocar ideias com nossas irmãs da América Latina e da Mesoamérica. Todas nós sofremos com o capitalismo, com a falta de recursos para as mulheres e crianças mais pobres. Enfrentamos o machismo nas igrejas, enfrentamos a falta de oportunidades para sermos ministras do evangelho e assumirmos cargos de lideranças em nossas igrejas, sim, nossas irmãs latinas sofrem o mesmo que nós e, às vezes, infelizmente, nós brasileiras não nos damos conta disso e damos tão pouco a mão para elas. E você estava lá, chutando a barriga da mamãe, participando a seu modo de uma experiência enriquecedora!


Congresso da ANPOCS
-No dia 26 de outubro, aos quase 9 meses, a mamãe apresentou a pesquisa que ela desenvolve no mestrado no maior congresso de Ciências Sociais do Brasil - ANPOCS. Foi ótimo e enriquecedor poder trocar experiências com outros pesquisadores. Sabe filha, a academia tem um grave problema: para as mulheres se darem bem, elas têm que se masculinizar. Nada de ter filhos, nada de ser feminina demais, tem que ser “durona”. Estar em um congresso, das proporções como a ANPOCS, grávida é uma resistência, e das brabas. Ter filhos significa não se dedicar totalmente à pesquisa - mas isso serve só para as mulheres tá? Homens com filhos não são cobrados da mesma maneira. Muitos professores doutores se recusam a orientar mulheres com filhos, assim como estudantes mais pobres que precisam trabalhar, ou coisa do gênero. Sim, filha, a mamãe escolheu ter você e o seu irmão. Vocês são amados e muito, muito desejados. E,sim, a mamãe escolheu ter uma carreira acadêmica e pública, uma coisa não exclui a outra. E todas nós, as “famigeradas feministas”, lutamos por isso, para que você e todas as mulheres do mundo possam escolher, também.






Mamãe te ama muito, espero que aos 30 anos você possa falar de outras conquistas para a sua filha, por enquanto nós temos avançado muito, resistido também, para que você viva a vida que você quiser, não a  que lhe permitirem.





Com amor, mamãe.

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