Sobre cigarras e formigas...

Sugiro que ouçam essa música:




Trabalho em um campus universitário bastante arborizado e com um pequeno bosque. Há uns seis meses, mais ou menos, houve reprodução das cigarras e, durante a reprodução, elas ficam cantando durante uma ou duas semanas. Depois, se libertam de suas cascas (exoesqueleto), se reproduzem e, logo depois, morrem. Quando vejo uma cigarra cantando sempre recordo da velha fábula da Cigarra e da Formiga, lembram-se? Enquanto a formiga trabalhava a cigarra só cantava… Depois, veio o inverno e a formiga ficou quentinha no seu abrigo, com muita comida, e a cigarra, desprovida e com frio, teve que pedir ajuda para a heroica formiguinha trabalhadeira…
Isso é um crivo de julgamento: cigarra folgada, porque canta; formiga trabalhadora porque faz uma reserva - essa é a moral da fábula. Há alguns anos, em uma aula de biologia do ensino médio, descobri que as cigarras vivem de 1 a 17 anos embaixo da terra e que elas passam todo esse período reciclando matéria orgânica, essa atividade aduba a terra e evita o acúmulo de matéria orgânica. A cigarra, também, ativa o processo bioquímico das plantas, pois acredita-se que ao sugar a seiva das plantas, ela faz com que as plantas entrem num estado de dormência, evitando a floração exagerada  -  o que  esgotaria seus recursos químicos, abreviando a vida da flor.
Não que a formiga não tenha seu valor e  seu trabalho não seja importante, elas também são parte do final da vida, da decomposição dos animais e plantas. Elas regeneram aquilo que era “perdido”, além de,  ao andarem para lá e para cá, dispersarem as sementes e servirem como agentes polinizadores. No final das contas, cigarras e formigas têm quase as mesmas funções no mundo, mas uma é vista e a outra não. Uma é conhecida e a outra não. Uma tem um padrão de trabalho conhecido e a outra não.
Ao vermos a cigarra a cantar, parece que ela está ali apenas se divertindo e fazendo barulho, mas, na verdade, ela está num rito de reprodução, de colocar os ovos e morrer. Sim, quando uma cigarra vem à tona é para morrer. Triste, não? Pensando nisso, percebo a injustiça que cometemos com as cigarras por toda a vida. Separando-as dos demais decompositores, tratando-as como menos importantes no papel da "reciclagem" da vida.

A cigarra leva uma vida que ninguém vê, ninguém sabe e quando ela vem à tona ela é julgada. Pobre cigarra, não pode terminar a sua vida em paz, sem ser taxada de preguiçosa... Mas, isso é uma fábula, não tem qualquer relação com os que julgam aqueles que ficaram 17 anos embaixo da terra...

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